Dia 103 - Das palavras e das lembranças


Hoje estava em casa pensando no que ocorreu, e no que ouvi, nestes últimos dias, pensava e me questionava sobre o que falamos às pessoas em nossos momentos de raiva, até que ponto é raiva?

Como posso dizer que isso ou aquilo não seja a verdade que acredito e que, em algum momento, queria dizer, mas não tinha coragem. E eis que a oportunidade surge e digo que é raiva...ou a ela nos entregamos e fazemos mal uso, agredindo e sendo agredidos.

Indisfarcável tristeza...inegável mágoa...vontade explícita de revolta, não aceito o que ouvi, palavras de repulsa a mim, nunca pronunciei isso a alguém, mas reconheço que errei muitas, muitas vezes, e que magoei, e que menti, e que agredi, por raiva, mas também por defesa, também digo que chorei, de amor, de raiva e também de tristeza. Que dei apoio quando queria ser consolada, que tentei ser compreensiva mesmo quando a razão me contestava, que acariciei com ternura, mesmo estando magoada e que sorri, quando as vezes queria chorar e não podia fazer nada. Fiz e vivi dentro dos meus limites, mas me entreguei e não me arrependo, porque cresci, e hoje sou mais mulher do que ontem.

Não nego nada, e vivo o luto...não gosto de ficar muda, mas não vou repetir...repassar o que ouvi, para que me apoiem ou me consolem, não...essa é a vida, as pernas não ficam fortes se os pés não tocam o chão.

Tenho uma caixa de lembranças, nela guardo com muito carinho os cartões, cartas, bilhetes, algumas fotos, postais, palavras, de pessoas que me disseram em momentos diversos o quanto fui especial, o quanto sou, a diferença que fiz, um feliz aniversário, feliz dia dos namorados, feliz natal, feliz ano novo, uma palavra de carinho, uma palavra de apoio, o amigo que não vejo há tempos, do ex-apaixonado, da empolgação da paixão, da amizade perpetuada, da afilhada que com traços e riscos expressa seu amor, sim...essas palavras faço questão de guardar, das que fazem diferença na minha vida, das que de tempos e tempos recorro para me lembrar que de muitos erros que cometi, muitos acertos pratiquei e deles encho minhas lembranças e minha vida, fico feliz de saber que sou lembrada por muitos como uma pessoa boa, que errou, mas que também ajudou.

E da emoção de minha caixa de lembranças, das lágrimas que queriam invadir meu olhos, das palavras duras que ecoavam em minha mente, das lembranças dos erros cometidos, dos amores que não deram certo, da mulher forte que tento ser, mas da mulher frágil que se partiu, de toda confusão que se formou dentro de mim eu encontro num papel dobrado as palavras que me dizem quem sou...

Essas são palavras da Minha Mãe, no dia 05/10/2001, meu aniversário...e que hoje me trouxeram de volta...

"Para você minha filha que é muito especial.

Se você quer ser feliz...

Não espere um sorriso para ser gentil. Não espere ser amada para amar. Não espere ficar sozinha para reconhecer o valor de quem está ao seu lado.

Não espere ficar de luto para reconhecer quem hoje é importante para você. Não espere o melhor emprego para começar a trabalhar. Não espere a enfermidade para reconhecer o quão é frágil a vida. Não espere ter muito dinheiro para então contribuir.

Não espere pessoas perfeitas para então se aproximar.

Não espere a mágoa para pedir perdão. Não espere a separação para buscar a reconciliação.

Não espere elogios para acreditar em si mesma. Não espere o dia de sua morte sem antes amar a vida. Seja sempre você minha filha, autêntica e única!"

Comentários

Anônimo disse…
Também eu tenho uma caixa de lembranças do que já não sou... e me procuro nos olhos que encaro...quem sou afinal?...Por vezes queria ser aquele que está algures na caixa de lembranças.. voltar á idade em que não tinha idade. Por vezes nasço nos olhos de alguém e gosto de me ver ali... um dia, tenho a certeza, nascerás nos olhos de alguém e reconhecer-te-ás ali como não imaginavas ser... e abrirás mão da tua liberdade pois ali é ser livre... e não importa mais se vais envelhecendo, se vais gritando de raiva, se vais xingando...pois ali tu és...e como és te aceitam...
E, à noite, arrumo mais umas lembranças nessa caixa e deixo lá o João que já não sou...e a cada manhã procuro construir-me de novo... mais humano ...solidário...
para à noite arrumar a lembrança de que o não fui...mas que tentei...
beijo grande
João
Elvira Carvalho disse…
Geo, gostei do seu lamento, como quem se purga largando a pele velha e ressabiada para nascer de novo. Todos nós temos um lado de luz e um lado escuro. Somos numa pequenina escala qualquer coisa como metade Deus e metade Demónio.
Cabe-nos a nós gerenciarmos as nossas metades, de modo que seja a metade luz a iluminar a nossa vida e não o contrário.Toda a nossa vida é feita de riso e lágrimas de felicidade e dor. É assim que crescemos e que aprendemos a dar valor ás coisas.O cartão da sua mãe está cheio de sábios conselhos, como só as mães sabem dar. E é assim que conseguirá ser feliz. Reconhecendo quando errou, mas aceitando-se e sobretudo amando-se. Porque Geo, se você não gostar de si, se não se amar, ninguém a amará.
Um abraço e uma boa semana.
Anônimo disse…
certíssima não é preciso esperar por alguém para que possamos nos movimentar, para tomarmos uma atitude, do mesmo jeito que não esperamos ninguém nos amar para amarmos, nem sermos beijados para beijarmos, é preciso sentir e deixar fluir o resto acontece naturalmente, bj minha rosa.
António Inglês disse…
Geo
Na vida, ganhando e perdendo, vamos crescendo.
Com as vitórias ganhamos em tamanho, com as derrotas ganhamos em coragem e força.
Guarde os conselhos de sua mãe, porque são sábios. Só uma mãe nos pode aconselhar assim.
Um beijo de conforto deste lado mas que lhe chegará nas asas do pensamento que acabei de lhe dedicar.
José Gonçalves