Dia 172 - A Queda

Em minha vida tive muitas quedas, bicicleta, patins, maus passos, descuido, escorregões, tropeços...dezenas de motivos que me fizeram machucar o corpo, no entanto, lembro-me de todas da mesma forma, não houve uma única vez que não me levantei de imediato. É claro que não posso contar alguma que tenha perdido a consciência, de fato, não me recordo de ter perdido a consciência nesse tipo de queda.

Outras quedas me tiraram a consciência, as de amor principalmente, as de decepção, as de desilusão...essas me tiraram o chão, exatamente o que eu precisava para me manter inteira. Ironia, já que o chão em quedas, digamos, físicas, também me causou um estrago enorme.

Ontem caí, de bicicleta, fui fechada por um desatento em meio a ciclovia, rapidamente vi o chão outra vez de uma perspectiva não muito agradável. Todavia, levantei de impulso, senti na hora o impacto em meu braço direito e fiquei agradecida de ter sido somente um mal jeito. Estava cega pela raiva, não via ninguém ao meu lado e mal pude escutar a voz do desastrado que causou o acidente, dizendo ou perguntando, não sei: - Machucou?!!

Eu não respondi. Só conseguia pensar em levantar, o sangue corria rápido em minhas veias, estava de face ruborizada, a corrente da minha bicicleta havia saído, ajoelhei-me, coloquei-a no lugar, sujando as mãos com a graxa da coroa, subi novamente na bicicleta e terminei o percurso. Pensei e agi, exatamente, da mesma forma de uma queda anterior, ou seria de muitas quedas anteriores. Essa é a questão!

Não me permito sentir a dor, não me permito chorar pelo dano sofrido e ainda me obrigo a terminar o percurso em que tempo for. Podem pensar que sou severa comigo, ignorante, eu penso, depois de tanto tempo, ser uma sobrevivente. Não parei para pensar, hoje sim, antes não.

Sempre tive o seguinte pensamento:
- A queda ocorreu. O que não podia acontecer, aconteceu. Então, não tenho mais o que temer. Agora é só seguir em frente e superar, terminar o que começei ou recomeçar.

E sem perceber, ou pensar sobre, esse foi o pensamento que me trouxe até aqui. Não deixei de lado os sentimentos, pelo contrário, os tenho em mim como lava em vulcão adormecido. Não sou exemplo de superação, nem qualquer um a ser seguido. Este foi o jeito que encontrei para não ter medo do desconhecido.

Muitas vezes lastimei não ser tão frágil a ponto de alguém querer me consolar. Posso dizer, com certeza, que este é o lugar onde mais demonstro minha fragilidade, onde sou eu em meu estado mais puro de mulher. Sou todas elas, da mais amorosa a mais severa, eu.

Mas este é meu viver, tenho medo como todo mundo, e talvez tenha mais medo dos sentimentos do que de um ferimento no corpo, pois, de certa forma, este último uma hora cicatriza, enquanto o outro pode nos paralisar de vez. Por isso me obrigar a terminar um percurso pessoal, ir até o final por mim, e não por outro alguém, é a minha forma de levantar e estar pronta para viver, se necessário for, tudo outra vez ou mais uma vez, de outra forma.

Comentários

Elvira Carvalho disse…
Quem dera ser assim.
Um abraço e tudo de bom