Dia 189 - Morto desempregado

Todos os dias abro os jornais para minha leitura matinal, um jornal de pouca circulação e 'grau de importância' em comparação aos nacionais, porém, ele fala de pessoas ditas 'comuns', 'normais', pessoas que como eu e você saem pela manhã e passam por muitos terminais. Pedreiros, bombeiros, donas de casa, auxiliares gerais, comerciários, vendedores, ambulantes, vigilantes, policiais...pessoas que saem de casa todos os dias em busca de seus ideais ou com a difícil tarefa de cumprir suas tarefas habituais. No entanto, algumas pessoas voltam outras não voltarão nunca mais.


Costumava criticar este tipo de notícias:
"Empregada doméstica" morta pelo marido; ou
"Estudante" estuprada e abandonada em matagal.


Criticava as notícias que, para ganharem este status, transformavam um ser humano em um cargo, justamente na única hora de sua vida que sua profissão é o que menos importa.


Não quero ver a notícia de nenhuma morte, porém, se esta é inevitável sorte, que a notícia fosse então:
"Morre um ser humano chamado '...' (qualquer nome próprio herdado de seus pais)".
"Morre um grande amigo...um ente muito querido, trabalhador em sua função, deixa para trás uma família...esposa, sogra, filhos e filhas...e com muita saudade o lembraremos no coração."


Mas, acho que nenhum jornal se venderia...é certo que ninguém o compraria, seria difícil valorizar um ser humano sem profissão, pois esta parece ser a nossa sina, ser homem ou mulher não é condição de ser...a condição é o trabalho que se impõe ao operário.


Noutro dia, um senhor com mais de cinquenta creio, estava caído no chão. Agonizava o coitado, totalmente em delírio, ao lado um carrinho de supermercado com o material de seu trabalho: um chápeu, uma marmita e um pedaço de papelão. Ao ligarmos para o socorro eis a primeira pergunta do cidadão:
- Ele é mendigo?
Ao que foi respondido:
- Porquê? Se for, não é ser humano? Não mereçe atenção?!!


Estou querendo dizer que matar ou morrer virou apenas mais um número na multidão, mais uma página no jornal ou, em muitos casos, apenas um quadrado, num canto de um jornal de pouca circulação. Entretanto, se contabilizarmos as profissões, pensem, não faz diferença mais um 'vendedor' ou menos um 'metalúrgico', são apenas estátisticas em suas funções.


Ser ou deixar de sê-lo tornou-se 'indiferente' e é nesta visão minha gente que estamos caminhando as multidões. Tragédia virou rotina, como ir à padaria, infelizmente...
No entanto, pergunte ao filho que não terá seu pai ao lado, pergunte a mãe que não irá em mais nenhuma reunião da escola, quem era seu pai ou seu filho amado, pergunte para onde eles irão, ou onde gostariam que estivessem...


Com certeza suas respostas não serão:
- Assassinado e enterrado num quadradinho assim taxado de..."mais um morto desempregado".

Vamos humanizar minha gente!!!

Comentários

Elvira Carvalho disse…
Voltou... E com que texto amiga.Para meditar...meditar...meditar. Mas tem razão, a humanidade transformou-se num robô sem sentimentos.
Um abraço e um bom Domingo
Concordo coa tua reflexión. A miudo teño chegado a conclusións similares.
Sempre é unha ledicia atopar cercanías de pensamento, ainda que ambos sexamos descoñecidos lonxanos.

Unha aperta dende Galiza
Goldfinger disse…
Aí como por cá, a vida vai tomando estes contornos.
O excesso de notícia, principalmente estas de assaltos e mortes, banalizou o acontecimento.
Até fico convencido de que o povo gosta mesmo é de notícias destas. É por isso que os jornais fazem delas primeiras páginas.
Os princípios e sentimentos vão-se perdendo Geo.

Linda princesa, visito-a hoje e deixo-lhe mil beijinhos de saudade e respeito.

António