Dia 386 - Como os desenhos nas nuvens

Vivemos sob uma necessidade de conceituar tudo, procurando respostas onde deveria haver perguntas.

Conceituando o simples, o espontâneo, como se nada pudesse ser o que simplesmente é... Gerando ansiedade e, por vezes, medo.
Quando eu era adolescente costumava desenhar, não era algo técnico, era intuitivo, fazia porque gostava e só isso, não queria chegar a lugar algum com isso... 
Um dia, meu primo acreditando que eu tinha um dom conseguiu para que eu tivesse aulas com uma artista plástica. Eu morri de medo do que ela poderia achar de mim. Ela me dava aulas enquanto pintava tomando seu chimarrão. Dizia-me: - Pode desenhar o que quiser...
Eu não entendia como poderia aprender daquela forma, mas, desenhava o que eu sabia. Em alguns momentos ela se levantava e me sugeria melhorias, passando o que sabia da forma mais delicada. Certa vez ela me pediu para manchar uns papéis com aquarela e depois que secassem desenhar o que via neles... E vi uma infinidade de possibilidades, senti-me livre... Não havia certo e errado naquela lição... 
Aprendi que podemos conviver com visões diferentes, em realidades diferentes, com traços distintos, que podemos nos melhorar se soubermos prestar atenção aos ensinamentos que recebemos, respeitando o espaço do outro. Aprendi que podemos ver além daquilo quem nos é apresentado. A ver além das capacidades que julgamos ter. 
A ‘desconstrução de uma ótica’, que leva ao questionamento, não precisa agredir e nem chocar de modo vulgar, empobrecendo o que temos como seres humanos.
Sempre me lembro dela e o que os poucos momentos juntas me ensinaram. Não havia falta de disciplina e respeito, havia partilha e amor.
Não temos a noção exata de nosso papel na vida do outro, nunca teremos, porém, não podemos ter a ilusão de que nossas decisões apenas afetam a nós mesmos, porque é justamente aquilo que desconhecemos que move o mundo e a vida das pessoas.
...
Um ponto de luz é suficiente para ferir a escuridão. A esperança é o vaga-lume dos sonhos sobrevoando a razão, apaziguando o barro, a fé que desperta o amor, mudando o nosso destino. Muito do que nos ocorre podemos compreender como destino... No entanto, muito do que ainda podemos ser está sob páginas brancas e pena adormecida, a isso podemos chamar de livre-arbítrio...
A luz, mesmo em sua mais ínfima aparição corta a mais densa escuridão que podemos criar, mas, para a percebermos temos de tirar os olhos de nós mesmos.
Hoje desenho com minhas palavras minhas telas, que não tem pretensão de serem conceitos ou a expressão de qualquer verdade que não seja a minha.
E me partilho... Transformando-me em manchas que podem ser interpretadas de diversas maneiras. E nenhuma delas está certa... E nenhuma delas está errada... 
Como os desenhos nas nuvens.

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